quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Mas que amo eu quando Te amo?


Não uma beleza corporal ou uma graça transitória, nem o esplendor da luz, tão cara a meus olhos, nem as doces melodias de variadas cantilenas, nem o suave odor das flores, dos unguentos, dos aromas, nem o manah ou o mel, nem os membros tão suscetíveis às carícias carnais. Nada disso eu amo, quando amo a Deus.

E contudo amo a luz, a voz, o perfume, o alimento e o abraço, quando amo o meu Deus: a luz, a voz, o odor, o alimento, o abraço do homem interior que habita em mim, onde para a minha alma brilha uma luz que nenhum espaço contem, onde ressoa uma voz que o tempo não destrói, de onde exala um perfume que o vento não dissipa, onde se saboreia uma comida que o apetite não diminui, onde se estabelece um contato que a sociedade não desfaz. Eis o que amo quando amo a Deus.

E o que é isso? Perguntei a terra, e esta me respondeu: “Não sou eu”. E tudo o que nela existe me respondeu a mesma coisa. Interroguei o mar, os abismos e os seres vivos, e todos me responderam: “Não somos o teu Deus; busca-o acima de nós”.  Perguntei aos ventos que sopram, e toda a atmosfera com seus habitantes me responderam: “Anaxímenes está enganado; não somos o teu Deus”. Interroguei o céu, o sol, a lua e as estrelas: “Nós também não somos o Deus que procuras”. Pedi a todos os serem que me rodeiam o corpo: “Falai-me do meu Deus, já que não sois o meu Deus; dizei-me ao menos alguma coisa sobre ele”. E exclamaram em alta voz: “Foi ele quem nos criou”. Para interrogá-los, eu os contemplava, e sua resposta era a sua beleza. Perguntei pelo meu Deus a toda a imensidão do universo, e esta me respondeu: “Eu não sou Deus, mas foi ele quem me fez”.


Livro Confissões de Santo Agostinho

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